Projeto Rios de Encontro ~ Rivers of Meeting Project
(Cabelo Seco ~ Marabá ~ Amazônia ~ Brasil ~ Desde 2009)
Calendário Rios de Encontro 2013 ~ Rivers of Meeting Calendar 2013
Por que tá tão quente vô? Não guento mais esse calor!
Pois é meu amor. Não há brisa –
Mas sempre foi assim, vô?
Hum! Quando era menininho, o quintal foi até a beira do rio. Brincávamos na sombra das árvores até o pôr do sol!
Mas por que o quintal encolheu vô?
Pois é meu bem. Nunca imaginávamos –
Só tem aquela única árvore peladinha, bem na ponta. Cadê as outras, vô?
Pois é menina. Depois de construir a orla, a brisa do rio bate no cimento e não sobe mais –
Mas por que construíram a orla, vô?
Pois é netinha. A gente não questionava –
Então vou me banhar, vô!
Não pode meu amor –
Mas por que não, vô? Sempre foi assim?
Hum! Banhávamos o dia inteiro quando era criança. Mas derrubaram as árvores e queimaram. E quando acharam nosso ouro –
Então vou pular na rampa! Com meus olhos bem fechadinhos!
Não pode meu bem. Não é só o cauim. Tem lixo. Esgoto –
Então vou brincar na orla! E vou levar o guarda sol!
Não pode minha princesa. Tem aviões ali, viciados e marcados. Por isso gradeamos nossas janelas e cercamos nosso quintal –
Então vou tomar refri e lanchar, vô!
Aguarda o jantar meu bem. Já tá gordinha demais –
Mas aquele peixinho frito me deixou faminta, vô!
Pois é meu amor. Não há mais peixe. Nem no Tocantins, nem no Itacaiúnas –
O peixe não gosta mais da gente, vô?
A culpa é da barragem, meu bem. O peixe não sobe mais. Tucuruí mudou tudo.
Como assim?
Quando eu era pequenino, pescava com meu avô. O rio era tão generoso, a canoa dançava de tanto peixe que pegávamos. Fazíamos um foguinho no quintal, bem na beira do rio, limpávamos os tambaquis e tucunarés, recheávamos com cebolinha, pimentinha e tomatinho, e assávamos na grelha, bem apimentadinhos com cheiro verde e jambú. E nunca faltava castanha e açaí –
De onde veio tudo isso, vô?
Do nosso quintal, menina! De graça! A pesca era tão grande, sobrava peixe para Maranhenses, Goianos e Mineiros que chegavam toda noite a pé e de barco. O que sobrava, pendurávamos no varal pra secar! E cozinhávamos a mandioca –
Pára vô! A fome tá me matando!
Meu bisavô saiu da África com sementes bem costuradas nas bainhas das roupas e escondidas nas trancinhas dos cabelos. Sua família sobreviveu no porão do navio e chegou dançando plantando, soltando as sementes, enquanto minha bisavó cantava receitas e trançava os cabelos da meninada.
Como diz nossa música! Meu cabelo é assim, afro-tupiniquim!
Enquanto o peixe assava, banhávamos no Tocantins, quando era baixo e alto, nos aliviando das dores e nos deliciando. Nosso cabelo era tão cacheado saíamos ainda com o cabelo seco –
Agora entendo! O cabelo da humanidade africana nunca se molha…
Mas por que não é assim hoje, vô?
Pois é meu bem. Éramos tão felizes, nem pensávamos sobre o amanhã. E a memória da fome nos mandou, nos calou –
Não vou me calar nunca, vô!
Meus bisavós também recusaram engolir sapos. Aqui era um quilombo –
Tipo, uma festa de sapos, vô?
Uma festa de resistência, meu anjo! Hoje só há festa dos gigantes que matam nossos rios no coração do povo –
Que bala matou o tio, vô? A primeira? A segunda? A última –
Que pergunta menina –
Vou pra Casinha de Cultura contar a história dos sapos às Latinhas de Quintal!
Engraçadinha. Mas volta logo depois –
Não posso, vô! Depois vou pro Casarão pra dançar com aquele africano bonitão!
Vestida assim, tão colorida?
Vamos pra pracinha pra ensaiar o desfile! Posso levar a cadeira da vó?
Pra onde?
A rua. Vamos assistir nosso filme Beleza Amazônica no Cine Coruja!
Quem manda neste projeto neném?
A gente vô? Quero ser livre, voar como pássaro –
O que tá cantando menina?
A nova música das Latinhas, vô! Te ensino na volta –
Diálogo escrito por Dan Baron, inspirado nas conversas na rua.